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Tempo para os filhos: dilema constante no dia a dia dos pais

Como pais e filhos têm se relacionado nos dias de hoje? Como lidar com a “falta de tempo”? Algumas dessas questões são respondidas pelas psicólogas Natália Orti e Roberta Green

Em outubro, mês que o comércio celebra o Dia das Crianças, pode ser uma boa época para trazer à tona reflexões mais profundas sobre a relação entre pais e filhos, que vão além do ato de comprar um presente para as crianças. Essas reflexões podem mergulhar em questões como, qualidade do tempo que pais e filhos passam juntos, como andam as relações interpessoais, a cobrança excessiva para que os pais estejam sempre presentes no dia a dia dos pequenos e como lidar com o dilema de comprar brinquedos ou propor brincadeiras.

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Psicóloga Roberta Miguel Green
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Psicóloga Natália Pinheiro Orti

Para entender um pouco melhor, pela luz da psicologia, esta relação entre pais e filhos, leia a abaixo a entrevista com as psicólogas Natália Pinheiro Orti e Roberta Miguel Green, do Instituto de Análise do Comportamento de Bauru (IACB), sobre as relações parentais nos dias de hoje.

– Nos dias atuais, há o pensamento coletivo de que “ninguém tem tempo”, principalmente para os filhos. Como vocês analisam esta afirmativa?

A afirmativa de que ninguém tem tempo, especialmente quando falamos de pais sem tempo para seus filhos, despertas diferentes e complementares pontos de vista. Quando adotamos a perspectiva dos pais, percebemos o tamanho de desafio e da provável sobrecarga de vivenciar as diferentes faces da vida adulta e suas diversas exigências. O papel de pai e mãe, de modo semelhante a outras tantas experiências da vida, reserva grande potencial para ambiguidade: criar e educar filhos – bem como aprender com eles – proporciona desafios diários regados de frustração e satisfação, dores e delícias, medos e esperanças. No malabarismo com as outras demandas da vida pessoal e profissional, ter tempo para vivenciar essas experiências com os filhos é sem dúvida um dos grandes desafios da parentalidade.

Quando adotamos a perspectiva dos filhos, seja relembrando as crianças que já fomos, mas principalmente tentando imaginar como se sente a criança que temos como filho ou filha, podemos perceber a importância que o tempo e a atenção que os pais têm que disponibilizar aos seus filhos.

Os pais estão mais suscetíveis ao conflito em relação a quanto e como se dedicam aos filhos, e frequentemente percebemos uma angústia relacionada a um constante sentimento de dívida, como culpa por estarem faltando de alguma forma com seus filhos, principalmente, quando ainda são crianças. Parece que o que é feito nunca é suficiente, e esse sentimento pode ser generalizado para outros contextos, como por exemplo, trabalho, relações íntimas e familiares.

Mas como administrar este sentimento de falta de tempo?

É importante entender que a nossa sociedade hoje, encara com naturalidade a falta de tempo, como se não houvesse outras escolhas possíveis. Então, quando os pais se deparam com esse sentimento de culpa em relação a não ter tempo para os filhos, culpa com relação a não ter disposição e prazer em dedicar mais tempo e energia aos filhos, culpa com relação a admitir os conflitos relacionados às escolhas que precisam fazer para garantir uma boa qualidade de vida aos filhos e boa educação, é preciso que eles lidem com as perdas inerentes a qualquer escolha, pois todas as escolhas implicam em uso do tempo e energia para algo. Então cabe aos pais decidirem o que é considerado como mais importante. Passar mais tempo com os filhos e abdicar de outras atividades que tomariam a disponibilidade desse tempo pode ser uma escolha saudável, desde que esse tempo com as crianças seja de qualidade, que envolva atenção integral à criança, conversas de interesse da criança, brincadeiras e envolvimento de muito carinho e afeto. Vale lembrar que a indisponibilidade de tempo para interação com as crianças é uma realidade comum em muitas famílias em função a diversas demandas, e nesses casos, assumir o desconforto intrínseco dessa situação é importante, preferencialmente sem aumentar ainda mais esse desconforto excessivo de autocrítica e julgamentos pela dificuldade em administrar bem a distribuição do tempo, sem cair na generalização de que não tem como ter tempo para nada. A postura de aceitação da realidade desse contexto pode ajudar os pais a lidarem melhor com o sentimento de cobrança e culpa, mas, ao mesmo tempo, ajuda a não perder de vista a importância do equilíbrio diante de suas escolhas, para um bem maior que se trata da qualidade do desenvolvimento das crianças.

– Os pais devem realmente se cobrar por não conseguir se dedicar aos filhos com mais tranquilidade? Essa cobrança não gera ansiedade, sentimento excessivo de culpa…?

Depende de muitos fatores, como por exemplo, uma reflexão sobre qual o papel que os pais querem ter na vida dos filhos. Crianças precisam de cuidados e têm necessidades mínimas de afeto, atenção e incentivos ao seu desenvolvimento. Ainda assim, existem diferentes possibilidades de caracterizar o papel de pai e mãe, o quanto e como será o envolvimento. Não parece que exista um jeito melhor ou pior de cuidar dos filhos, mas existem valores, prioridades e conflitos em cada caminho. Os pais que priorizam dedicar um tempo especial para os filhos na rotina, talvez tenham que conviver com o conflito e angústia de outras privações ou perdas em outros setores da vida. Os pais que entendem que seu papel será melhor desempenhado através da provisão de recursos materiais e atividades extracurriculares, terão que lidar em algum momento com alguma frustrações ou cobranças em relação a sua ausência.

De fato, qualquer pai ou mãe deseja o melhor para seu filho e pode ficar confuso em relação ao que priorizar e como conciliar seus valores, desejos, limites e possibilidades. A questão da culpa é especialmente problemática quando é derivada de um excesso de autocrítica na tentativa de serem pais perfeitos, de dar conta de tudo, o tempo todo. Nem pais, nem filhos serão perfeitos, mas vale a pena a reflexão se todos estão próximos do equilíbrio entre valores e ações.

Também é importante buscar um equilíbrio entre presença e ausência, considerando outras demandas que os pais têm como pessoas e, também, as demandas dos filhos por autonomia e individualidade.

– Que reflexos no comportamento as crianças podem apresentar ao serem cuidadas por babás, avós e só verem os pais à noite ou nos finais de semana?

Quando outros cuidadores participam de uma forma intensa e frequente do cotidiano das crianças, estão assumindo parte do papel educativo. Quando o cuidado é realizado por outras pessoas além dos pais, é preciso haver consistência das estratégias educativas, que serão estabelecidas pelos pais e adotadas por todos os envolvidos. Afeto, regras, limites, rotina de alimentação, responsabilidades escolares, dentre outros temas precisam ser dialogados e os critérios definidos entre todos para que as haja minimamente consistência e a criança não se sinta insegura ou os educadores desautorizados. É possível que apareçam alguns problemas de comportamento da criança quando diferentes cuidadores não conseguem estabelecer uma mínima consistência nas estratégias e regras para a rotina, pois a criança pode ficar confusa em relação aos limites e sobre o que é aceitável ou não em cada contexto.

– Que estratégias vocês apontam, como terapeutas, para pais e filhos curtirem mais tempo junto e com qualidade?

Não existem regras fixas sobre como passar mais tempo de qualidade com os filhos, mas algumas sugestões podem ser úteis. O quanto de tempo passar com os filhos, conforme colocado anteriormente, vai depender de uma série de questões, valores e decisões dos pais. Mas a qualidade do tempo junto com a criança pode ser definida por algumas características, como a capacidade de atenção ao momento presente e a disponibilidade para o afeto durante a interação. Estar atento ao momento presente significa, por exemplo, ter a interação com a criança naquele momento como o único foco e entregar a atenção por inteiro à atividade realizada com o filho. Por vezes, os pais, tentando se desdobrar entre tantas necessidades e papeis sociais, estão brincando com os filhos enquanto pensam nos problemas do trabalho, ou no que precisam fazer dali a pouco, ou estão ao mesmo tempo interagindo no aparelho celular. Dessa forma não ocorre uma interação de qualidade, ou seja, a atenção está dividida entre muitos aspectos e o envolvimento com a criança fica prejudicado. Além da dedicação ao momento presente, destacamos o afeto como o principal elemento capaz de tornar as interações prazerosas, significativas e educativas.

– Qual o papel das brincadeiras no estreitamento dos vínculos entre pais e filhos?

As brincadeiras criam o contexto lúdico favorável para interações positivas e educativas. Brincando a criança aprende como o mundo funciona e como ela pode interagir e criar e, na presença dos pais, há o benefício em potencial da atenção e afeto, desde que os pais tenham ou queiram desenvolver essas habilidades. A brincadeira é muito útil para estimular a criatividade, habilidades motoras, cognitivas, emocionais e dos papeis sociais.

– Comprar ou não comprar brinquedos?

É através das brincadeiras que a criança faz descobertas em relação ao funcionamento do mundo onde está inserida, enquanto a interação com o brinquedo permite a expansão de suas habilidades motoras, cognitivas, sociais e emocionais. Além disso, o brinquedo permite diversificar os contextos de interações positivas entre a criança e seus cuidadores e facilita que os pais entrem nas brincadeiras junto com seus filhos.

Portanto, comprar brinquedos para os filhos, com a função de ampliar o desenvolvimento infantil e aproximar pais e filhos é uma atitude importante e pode ser socialmente valorizada. Porém, às vezes a decisão de comprar brinquedos tem a finalidade, consciente ou até mesmo inconsciente, de minimizar os sentimentos de culpa ou tentar compensar a ausência dos pais na vida da criança. Nesses casos, parece importante que os pais possam entender os desdobramentos negativos dessa atitude para o desenvolvimento da criança. Na tentativa de compensar a ausência ou na busca de agradar a criança com os brinquedos mais modernos, os pais podem transmitir a ideia de que o consumo pode suprimir todas as necessidades, inclusive as afetivas, o que não seria verdadeiro. Ao ganhar um brinquedo novo, a criança experimenta sensações agradáveis de imediato, mas isso não exclui o desconforto em relação à ausência dos pais.

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