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O que muda quando a vida muda?

“Só aos 35 anos de idade fui compreender que não existe fim sem começo. Que começos e fins emendam-se uns nos outros. Nada termina sem que comece alguma outra coisa, ou começa sem que alguma outra coisa termine. Talvez isto fosse mais fácil de recordar se tivéssemos uma palavra para designá-lo. Alguma coisa como “fimcomeço” ou “começofim” (Rachel N. Remen – “Histórias que curam ao pé do fogão”)

Podemos passar longas horas pensando sobre todas as mudanças que já vivenciamos ao longo da vida. Mudamos de casa, de escola, de trabalho, mudamos nosso jeito de fazer determinada coisa. Tudo começa e termina e nossas biografias são marcadas por mudanças internas e externas. Mudanças podem ser boas quando trazem novos contextos de vida desejados, mas podem ser dolorosas quando nos levam embora algo ou alguém de quem gostamos.

Quando a vida termina algo ou traz mudanças que nos coloca diante de situações de perdas, o que sentimos geralmente é LUTO. O Luto é um fenômeno universal. O Luto é um processo decorrente de perdas e envolve diversas aprendizagens frente à adaptação em uma nova realidade trazida pela perda. Quando a vida muda e a gente perde, inevitavelmente sentiremos luto e cada um sentirá esse luto do seu modo.

A pandemia de Covid-19 mudou nossas vidas e nesse momento o que muitos de nós está sentindo é luto – um luto coletivo relacionado às mudanças que, com maior ou menor intensidade, aplacou nossas vidas. A perda da “normalidade” rotineira; a perda do trabalho; o medo do estrago econômico; a perda de conexão, e talvez o mais difícil: o medo de perder ou a perda de pessoas queridas. Tudo isso está sendo sentido coletivamente em um nível global e inédito para a sociedade atual.

As reações e comportamentos nas fases do luto envolvem, sentimentos, sensações físicas, pensamentos (cognições) e ações que ocorrem após uma perda (ou a eminência dela) ser experienciada. Geralmente, os sentimentos envolvidos são: raiva, culpa e auto recriminação, ansiedade, solidão, fadiga, desamparo, choque, anseio, emancipação, alívio e estarrecimento. As sensações físicas podem ser de: vazio no estômago, aperto no peito, nó na garganta, hipersensibilidade ao barulho, sensação de despersonalização (“às vezes eu estou fazendo algo e não parece que aquilo seja real”), falta de ar ou de energia e boca seca. Já os pensamentos (cognições) que podem ocorrer no processo de luto incluem: descrença, confusão, preocupação e quando perdemos alguém ou algo que amamos, pode até ocorrer sensação de presença e até mesmo alucinações.

Muitas das reações do luto podem se parecer com manifestações de depressão, mas é importante um olhar cuidadoso sobre o contexto e sobre auto percepção. Numa reação de luto as oscilações de ânimo e humor geralmente estão associadas com as lembranças da perda, e no processo de luto a pessoa é, tendencialmente, mais responsiva às manifestações de apoio.

Outro aspecto diferente é que no Luto, a autoestima, normalmente, encontra-se preservada, enquanto numa Depressão os sentimentos de inutilidade e auto aversão são comuns (APA, 2013). Diferentemente da depressão, no luto geralmente existem momentos de raiva direcionada para aquilo que perdemos, como por exemplo: sentir raiva por ter decidido abrir a empresa e ser autônomo e em outros momentos sentir falta de estar na rotina de trabalho como era antes da quarentena.

Muitos de nós, em algum nível, estamos experimentando esse combo de manifestações emocionais e físicas relacionadas ao luto e precisamos dar espaço para sentirmos isso. O que podemos fazer para nos ajudar nesse momento é falar sobre o que perdemos, falar sobre as mudanças, falar sobre nosso sofrimento e acolher o que sentimos e o que ouvimos do outro. Nesse momento podemos dar oportunidade aos comportamentos de compartilhar nossos medos e nossas tristezas por tudo que perdemos com a pandemia e com o isolamento. É preciso falar da saudade que sentimos!

Quando compartilhamos e acolhemos o luto, aumentamos nossas condições de aceitar as perdas e nos comprometermos com a vida e com aqueles que estão conosco. Aceitar a perda e se comprometer ativamente com a produção de sentido para seguir a vida é crucial para que o luto não se torne um processo adoecedor. Encontrar novos sentidos para uma vida que vale a pena ser vivida poderá depender de como nos estimulamos a pensar e a sentir e para isso precisamos de criatividade. Ou seja, precisamos ter ideias: quais são as nossas ideias de como a vida pode ser agora? Como poderá ser a nossa vida logo após a pandemia? O que me aproxima de quem ou daquilo que amo e que ainda existe?

Nós precisamos mudar quando a vida muda e mudar não implica em “ser aniquilado”. Diante de tudo isso, lembre-se: expressar seus sentimentos em relação ao que pode perder ou já perdeu é importante. O luto não é uma doença. Luto não é fracasso. O luto é um processo vivido quando experienciamos nossas perdas. No luto muitas vezes temos que aprender a dar sentido para a vida que mudou. Esse será um novo começo para todos nós e novos sentidos para a vida virão se dermos espaço para o que sentimos e valorizamos.

Fontes bibliográficas:
American Psychiatric Association. (2013). Major Depressive Disorder and the “Bereavement Exclusion”.
Worden JW. Terapia de luto: um manual para o profissional de saúde mental.
Parkes CM. Luto: estudos sobre a perda na vida adulta.
Parkes, C. M., & Prigerson, H. G. (2013). Bereavement: Studies of Grief in Adult Life.

Sobre o autor:

psicologo-florencio-junior
Psicólogo Florêncio M. Costa Jr

Florêncio M. Costa Jr – Psicólogo pela UNESP/Bauru, Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem (UNESP/Bauru), Doutor em Medicina Preventiva – Universidade de São Paulo (FMUSP).

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